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Conselho Nacional dos Direitos Humanos divulga Recomendação sobre caso Sônia Maria de Jesus

Conselho Nacional dos Direitos Humanos divulga Recomendação sobre caso Sônia Maria de Jesus

Matéria originalmente publicada em 21 de junho! Atualizada em 9 de julho

Recomendação ao STF é para que “garanta o respeito aos direitos fundamentais da Sra. Sônia Maria de Jesus e ao STF que promova o julgamento de mérito do HC nº 232.303, assegurando prioridade na tramitação”

O caso que envolve uma mulher negra, surda e monocular, agora foi debatido no Conselho Nacional dos Direitos Humanos durante a 80ª Reunião Plenária, realizada no início de junho.

Sônia foi resgatada em junho de 2023 – em possível situação análoga a escravidão, da residência da família Borba, em Santa Catarina. Um Desembargador de Justiça do Tribunal de Justiça e sua esposa foram acusados de manter por mais de 4 décadas a mulher sem acesso a educação, saúde e retirada do convívio social.

A polêmica reuniu a sociedade brasileira e mundial.

Confira a íntegra da Recomendação do Conselho Nacional dos Direitos Humanos:

O CONSELHO NACIONAL DOS DIREITOS HUMANOS exercício das atribuições previstas
no art. 4º da Lei nº 12.986, de 2 de junho de 2014, e dando cumprimento à deliberação tomada, de
forma unânime, em sua 80ª Reunião Plenária, realizada nos dias 06 e 07 de junho de 2024,

CONSIDERANDO que a Constituição federal de 1988 tem como princípios a cidadania, a
dignidade da pessoa humana, os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa (art. 1º), cujos objetivos
fundamentais são construir uma sociedade livre, justa e solidária, garantir o desenvolvimento nacional,
erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais, e promover o bem
de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação
(art. 3º);


CONSIDERANDO que a Constituição federal de 1988 lista como fundamental o direito ao
meio ambiente equilibrado, no qual se inclui o do trabalho, sendo dever de todos defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações (art. 225);

CONSIDERANDO que o Brasil é um dos fundadores da Organização Internacional do
Trabalho (OIT) e que a Declaração de Princípios e Direitos Fundamentais no Trabalho da OIT estabelece
como princípios fundamentais a liberdade sindical e o reconhecimento efe>vo do direito de negociação
coletiva, a eliminação de todas as formas de trabalho forçado, análogo a escravidão ou obrigatório, a
abolição efetiva do trabalho infantil e a eliminação da discriminação em matéria de emprego e ocupação;

CONSIDERANDO que o conceito de trabalho decente formalizado pela Organização
Internacional do Trabalho na 87ª Sessão da Conferência Internacional do Trabalho (1999) engloba a
promoção de oportunidades para que homens e mulheres obtenham um trabalho produtivo e de
qualidade, em condições de liberdade, equidade, segurança e dignidade humana, sendo considerado
fundamental para a superação da pobreza, a redução das desigualdades sociais, a garantia da
governabilidade democrática e o desenvolvimento sustentável;


CONSIDERANDO que o objetivo nº 8 de Desenvolvimento Sustentável das Nações Unidas
versa sobre a necessidade de promover o crescimento econômico sustentado, inclusivo e sustentável,
emprego pleno e produtivo e trabalho decente para todas e todos;

CONSIDERANDO a Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Pacto de São José da
Costa Rica), de 22 de novembro de 1969, ratificada pelo Brasil pelo Decreto nº 678/1992, especialmente
no que se refere ao direito à vida e à integridade pessoal (ar>gos 4 e 5), às garantias judiciais de acesso à
justiça (artigos 8 e 25), à proibição da escravidão e da servidão (ar>go 6), à proteção da honra e da
dignidade (artigo 11), e ao desenvolvimento progressivo (artigo 26);

CONSIDERANDO as Recomendações do 3º Ciclo da Revisão Periódica Universal dirigidas
ao Brasil pela Organização das Nações Unidas;

CONSIDERANDO as Recomendações nºs 106, 107, 125, 126 e 132 da Revisão Periódica Universal (RPU) relacionadas ao combate ao trabalho em condições análogas à escravidão;

CONSIDERANDO que a Constituição Federal de 1988 veda a tortura e outras penas ou
tratamentos cruéis, desumanos e degradantes (art. 5º, III) e o trabalho escravo (art. 5º, LXVII, art. 243) e
que o art. 149 do Código Penal Brasileiro e as Convenções nº 29 e nº 105 da Organização Internacional
do Trabalho proíbem a submissão de trabalhadores e trabalhadoras a condições análogas às de escravo,
nas quais se incluem o trabalho forçado, a jornada exaustiva, a servidão por dívida e as condições
degradantes;


CONSIDERANDO o disposto na Consolidação das Leis do Trabalho, em seu ar>go art. 483,
que desempenha um papel crucial na proteção dos direitos dos trabalhadores em casos de faltas graves
come>das pelo empregador, permitindo que o empregado rescinda o contrato de trabalho e receba a
devida indenização em situações onde o empregador não cumpre com suas obrigações contratuais ou
viole os direitos do empregado de outras maneiras;

CONSIDERANDO que, nos termos do art. 4º, incisos I, II, III e IV, da Lei nº 12.986/14,
compete Conselho Nacional dos Direitos Humanos promover medidas necessárias à prevenção,
repressão, sanção e reparação de condutas e situações contrárias aos direitos humanos, inclusive os
previstos em tratados e atos internacionais ra>ficados no País, e apurar as respectivas responsabilidades;
fiscalizar a política nacional de direitos humanos, podendo sugerir e recomendar diretrizes para a sua
efetivação; receber representações ou denúncias de condutas ou situações contrárias aos direitos
humanos e apurar as respectivas responsabilidades; e expedir recomendações a entidades públicas e
privadas envolvidas com a proteção dos direitos humanos, fixando prazo razoável para o seu
atendimento ou para justificar a impossibilidade de fazê-lo;

CONSIDERANDO o disposto no art. 4º, V, do Regimento Interno do Conselho Nacional dos
Direitos Humanos;

CONSIDERANDO o caso de Sônia Maria de Jesus, resgatada em condições análogas à
escravidão na residência do Desembargador de Jus>ça de Santa Catarina, Jorge Luiz de Borba, em junho
de 2023, e seu retorno à casa do Desembargador, por decisão do Supremo Tribunal de Jus>ça e do
Supremo Tribunal Federal;

CONSIDERANDO que o caso, no STF, encontra-se liberado para julgamento do mérito,
desde 6 de novembro de 2023, quando da apresentação de parecer da Procuradoria-Geral da República,
que opinou favoravelmente pela libertação de Sônia;

CONSIDERANDO as dificuldades que os familiares biológicos de Sônia têm >do de se
encontrar com ela;


CONSIDERANDO que, na residência do Desembargador, Sônia Maria de Jesus não recebe o
devido tratamento terapêutico;


CONSIDERANDO que o Estado brasileiro, além de deixar de considerar todo o contexto de
vulnerabilidades em que viveu e vive Sônia Maria de Jesus, suas condições específicas e necessidades
particulares enquanto mulher socialmente vulnerável e com deficiência, deixou também de sopesar
todos os fatos incontroversos que marcaram sua vida de isolamento, abandono intelectual, físico,
psicológico e documental durante as quase quatro décadas que viveu sob regime de exploração de sua
força de trabalho em condições análogas à escravidão junto à família do Desembargador, a qual,
ademais, impediu a construção de sua subjetividade e plena autonomia como uma pessoa humana
autodeterminada, negando-lhe seus direitos enquanto criança, adolescente e mulher madura, impondo se uma série de barreiras para o exercício de seus direitos mais básicos, civis, polí>cos, comunitários e
sociais;

RECOMENDA:

Ao Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania:

  1. Adotar providências, por meio da Secretaria de Direitos da Pessoa com Deficiência e por
    meio da Coordenação-Geral de Erradicação do Trabalho Escravo, para garantir o respeito aos direitos fundamentais da Sra. Sônia Maria de Jesus;
  2. Prestar informações, no prazo de 20 dias, sobre as medidas adotadas para assegurar os
    direitos fundamentais de Sônia Maria de Jesus, informando, especialmente, se foram realizadas as
    providências previstas na Portaria 3484/2021 de Ministério;

Ao Supremo Tribunal Federal:

  1. Promover medidas necessárias para a inclusão na pauta do julgamento de mérito do HC
    nº 232.303, assegurando prioridade na tramitação, tendo em vista que se trata de paciente com restrição da sua liberdade.

ANDRÉ CARNEIRO LEÃO
Vice-Presidente
Conselho Nacional dos Direitos Humanos – CNDH

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